quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Abóboras, "aboboronas" e "aboborinhas" à vontade.


Tudo bem... A gente já devia estar acostumado, mas isso não passa nunca...

Nas últimas semanas, participei de dois encontros nacionais de Educação, como painelista e coordenador de trabalhos, e vivi duas experiências diversamente marcantes.

Na primeira, aconteceu aquilo tudo com que a gente está acostumado... A mesa-redonda final do encontro tinha por título "As Novas Tecnologias da Informação e Comunicação e a Formação de Professores". Claro que eu fui assistir! Animado, pois esses títulos são um tanto raros em encontros de Educação "pura" (aqueles que não são da ABED, por exemplo). E então... a primeira convidada foi uma professora do RJ com bom nome, projeção (indevida?) nos meios acadêmicos, e ela deu o tom da mesa.

Sequer tocou no assunto proposto - a não ser tangencialmente - e demonstrou que o título da discussão deveria ter sido "A esquerda ressentida brasileira contra qualquer intenção de EAD do mundo". Não vou expor todos os argumentos utilizados por ela, mas acho interessante dizer que ela começou por uma discussão semântica totalmente incorreta do sentido de "a distância" em EAD e derivou, claro, para o argumento final de que educar a distância não só é impossível e indesejável, mas que é, acima de tudo, uma prova de que há uma conspiração para enfraquecer ainda mais a educação pública. Pois é, meu amigo... perdido na relação dos argumentos? Eu também, especialmente porque a IES dela tem forte tradição em EAD, e recentemente a USP e Unicamp (públicas, portanto, "enfraquecidas", de acordo com a teoria da professora carioca) anunciaram nesta semana 6.000 (seis mil, isso mesmo!) vagas para Pedagogia a distância para 2009.

"Vendido" pela alteração de tom da primeira a falar, o convidado seguinte precisou alterar os rumos de sua apresentação (e disse isso claramente no início da fala) e também dedicou seu tempo a apontar falhas nos projetos de EAD brasileiros.

Nunca ouvi - ou, caso tenha ouvido, não lembro - tanta abobrinha, tanta asneira dita em tempo tão escasso e precioso quanto me foi oportunizado por aquela debatedora, que forçou quem veio depois a subir em seu ônibus (174?).

Ninguém precisa querer fazer EAD; ninguém precisa gostar de EAD; ninguém precisa concordar com os projetos de EAD que há por aí. Mas, ao mesmo tempo, a ninguém deve ser dado o direito de se expressar tão virulentamente sobre algo de que não gosta sem dominá-lo em profundidade. Não num espaço acadêmico, que não é, por definição, um espaço de "achismos" ou de concepções fracamente sustentadas.

No final, cansada e irritada por tudo que estava ouvindo, pede a palavra uma professora que é convidada por Michael Moore para presidir mesas de discussão sobre EAD em congressos internacionais (quem sabe o mínimo de EAD reconhece o que isso significa), que rebate e desafia educadamente, por sua experiência, cada um dos argumentos usados pelos debatedores. Como resposta, obteve reações de deboche da debatedora carioca, e educada interlocução do outro debatedor, pessoa culta, reconhecida, mas que estava "vendido" pelo tom impresso à mesa; outra professora reconhecida (não por saber nada de EAD!) de uma IES pública de Goiás uniu-se à vociferação sem-noção e demonstrou nem ter entendido o que foi exposto pela ilustre ouvinte - aliás, nem a conhecia.

A cena me lembrou uma passagem dantesca do extinto programa "Fala, garoto", apresentado por Serginho Groismann no SBT: João Gordo, do Ratos de Porão, tentando discutir música com o maestro Júlio Medaglia, insultando-o sem saber quem ele era e se referindo às expressões musicais clássicas como "essa b**ta". Sem exagero: a coisa foi do mesmo nível, só faltando palavrões.

Como o que é muito bom gera menos necessidade de comentário, a experiência contrária veio no final da primeira semana de outubro, durante o VIII EDUCERE, na PUCPR. A palestra de abertura, com a professora Juana Maria Sancho Gil (Universidad de Barcelona, Harvard University etc.), e palestristas como José Manuel Moran (USP), Marco Silva e Patrícia Torres demonstraram como falar da EAD em suas virtudes e limitações reconhecendo o que há de ponta no cenário mundial. Para quem entende do assunto e gosta dele, ficou um ar de desafios a vencer; para quem entende do assunto e não gosta dele, ficou a certeza de que a modalidade tem, certamente, representantes e projetos valiosos; para quem não entende do assunto, ficou vontade de saber mais.

Lição para o grupo que organizou o primeiro dos dois encontros descritos: não se formam mesas-redondas com quem vai dizer o que queremos ouvir, mas sim com quem diga o que pode ser dito diante das evidências, das pesquisas, das publicações. O resto são apenas abobrinhas que, infelizmente, alguns menos avisados acabam por "engolir" acriticamente e outros, mais experts nos assunto, não conseguem evitar que os nauseie.

2 comentários:

Taís Drabik disse...

Parabéns pelo blog, Marcus!
Seus primeiros posts mostram que você realmente tem o que dizer!
É uma pena, realmente, que em todo lugar existam pessoas com essa ideologia envelhecida, que quer enxergar "conspiração contra o povo" em tudo.
Mas a EAD é algo que veio para ficar, seja lá o que pensem essas pessoas equivocadas.
Como essas pessoas pensam em treinar, informar, capacitar todas as pessoas que necessitam, nesse nosso país tão grande?
No mínimo por motivos ecológicos (olhe a economia em transporte, em papel...) deveriam era estar defendo a disseminação da Educação à Distância.
Um agrande abraço!

Marcus Vinicius disse...

E você sabe, Taís, que nem mesmo me preocupam ideologias envelhecidas? Um dia a minha própria vai ficar ultrapassada, inevitavelmente. Preocupa-me o fato de que para certos assuntos - EAD incluída - não se façam as menores ponderações sobre o fato de ser necessário conhecer para criticar, e que conhecer não pode se limitar a ter contato com dois ou três exemplos que sustentem nossa opinião: é preciso conhecer também aqueles que a contradizem, mesmo que seja para procurar neles falhas também e argumentar sobre elas.
Abraço e obrigado!