segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Nada ainda?

Então... Depois de tanto tempo se falando, pesquisando, publicando, discutindo sobre inovações e Educação, parece que não conseguimos ir adiante do simples uso das tecnologias para aprofundar o mesmo "jeitão de sempre", não é?

O Power Point é o novo quadro de giz, e só. Quase nenhuma sala de aula com projetores e conexão à Internet libera acesso total para que o professor e os alunos abram quaisquer tipos de sites para explorar as diversas possibilidades de acesso e tratamento da informação - salvo raríssimas exceções que tenho descoberto recentemente. Os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) viram repositórios de documentos, e só. Sites como Youtube e serviços como Facebook também não vão muito além, na compreensão escolar média, de entretenimento.

Por outro lado, também temos grupos que acreditam num poder tão oculto e metafísico das tecnologias que criam inclusive terminologias para um porvir que nem se aproxima do horizonte das possibilidades brasileiras (e, para este fim, nem mesmo da maioria dos países desenvolvidos): metaverso, ensino construtivo total (isso mesmo, sem nem mesmo currículo mínimo, com os assuntos se encadeando ao sabor do desejo), home schooling para qualquer nível educacional...

Em tosca comparação, o primeiro dos lados ignora a invenção do filme e ainda se encanta pela fotografia colorida (a mesma foto, retocada manualmente como nas antiquíssimas revistas). O outro, se for exposto a uma recriação da "Invasão dos Marcianos" bem feitinha, terá infartos em suas poltronas antes de descobrir a montagem.

Em Educação nada é tão rápido, mas não precisa ser tão devagar, também. O mais importante, superando muito o fator velocidade da mudança, é o fator direção: o segredo está no uso racional das potencialidades tecnológicas, respeitando o papel social que cada uma já representa - pois este papel reflete a ideologia social sobre elas e, sabemos, a forma de relacionamento que estabelecem com um conhecimento muito mais acessível, ainda que diluído. O segredo, gente, é MÉTODO!

quinta-feira, 30 de abril de 2009

O professor e o carcereiro



Era uma vez (aliás, ainda é!) um professor de Educação Física com 16 anos de experiência na rede privada e uma legião de fãs entre ex-alunos e ex-atletas, recém-concursado para a Secretaria Estadual de Educação do Paraná.
Este professor, que tem um coração maior do que seus quase 1,90m, escolheu uma escola próxima de sua casa, num bairro razoavelmente central, para iniciar uma caminhada pela Educação pública do estado e, dentre outras coisas, para também caminhar diariamente ao trabalho (exercício bom para corpo e mente).
Foi muito bem recebido pela direção e demais profissionais da escola, e seu diário dos primeiros dois meses e meio de aulas deveria conter muitas coisas, exceto isso:
  1. ver uma mesa de professor ser atirada pela janela do segundo piso na direção da quadra, que por pouco não atingiu as crianças de quarta série com as quais trabalhava. O autor da barbárie foi identificado; para variar, um daqueles adolescentes de 14 ou 15 anos que frequentam a quinta série da tarde, entre crianças de 10 e 11 (minoria que está acompanhando a série). O que a escola pôde fazer? Advertir e mais nada.
  2. ajudar a procurar bombas de fabricação caseira postas pela manhã nos banheiros da escola - duas explodiram, causando estragos e por pouco não ferindo ninguém. Encontraram o autor do feito, que com ele tinha ainda mais oito para "plantar" onde quisesse. O que a escola pôde fazer? Chamar os pais, advertir e mais nada.
  3. Surpreender em pleno horário de aulas dois adolescentes consumindo drogas no banheiro masculino - outros dois, diferentes daquele primeiro, mas também cursando série inadequada à sua idade. Aproveitando que não foi visto por eles, comunicou imediatamente a coordenação, que fez o "flagrante". O que a escola optou por fazer? Advertir e mais nada; o argumento era de que seria preciso chamar a patrulha escolar, que faria o B.O. na delegacia do adolescente e os encaminharia para casa!!! E, claro, algo assim descontentaria os traficantes que abastecem a escola, pondo todos em risco...
  4. Ter uma bola de futebol atirada do terceiro piso da escola contra sua cabeça enquanto lecionava na quadra. Quem o fez, não teve sequer o cuidado de se esconder depois de atirá-la, ficando na janela rindo de sua "mira" infalível. Trazida para a direção, a doce criatura dizia: "você não sabe com quem tá mexendo, professor. Eu te pego lá fora, te arrebento, você vai morrer!" Diante da ameaça, o professor reage dizendo que vai sair da escola e ir diretamente ao distrito policial registrá-la em B.O. A resposta do aluno? "Quer que eu anote aqui meu nome e endereço pra facilitar? Você não sabe quem eu sou..." Depois a coordenadora disse ao professor, em particular, quem ele era: o adolescente responsável pelo tráfico na escola no período da tarde, com "n" passagens pela delegacia do adolescente. Uma figura que agride fisicamente sua mãe toda semana, deixando-a com hematomas, e cuja transferência para o turno da noite não poderia ser feita sem a permissão daquela mãe que não contrariava o filho em nada... e o filho não quer abandonar seu horário de "negócios". Adivinha em que a coisa toda deu? Advertência e... mais nada.
  5. Descobrir que a vaga que ele pôde escolher foi em substituição a um outro professor licenciado há dois anos para tratamento de problemas cardíacos e nervosos adquiridos em anos de trabalho naquela escola e em outras escolas problemáticas da rede... e que este mesmo professor já substituíra outro, também cardíaco.
  6. Ver a professora também recém-concursada para lecionar Filosofia chegar à sala dos professores na sexta-feira da primeira semana de aulas (!) informando que acabara de pedir exoneração do cargo, porque suportar o que teve que suportar naquela semana, com turmas do turno diurno (historicamente menos problemáticas ainda do que as do noturno!) para ganhar R$600,00 por mês não era nem razoável. Nem o dobro disso seria razoável.

Pois é... todos nós sabemos as principais consequências daquela aberração chamada Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - veja como a sigla já diz muito!) para o trabalho na Educação. E, dentro da Educação, especialmente no âmbito daquelas escolas públicas que não conseguem - e nem podem, e nem querem! - ter mecanismos ao menos razoáveis de manutenção da civilidade mínima em suas atividades.

Os alunos fazem o que querem, quando querem, e somente aqueles cujos pais ainda carregam consigo um mínimo de autoridade e dignidade próprias conseguem ter lições de verdadeira cidadania além de conteúdos escolares.

A escola não é a família! À escola não pode caber qualquer papel fundamental da família, como preparar os rebentos para a convivência social mínima. A paz social só é possível pela sinergia de governo, escola e família, cada um com seu papel. Se o governo não faz o seu (aliás, faz ECA!) e as famílias dos delinquentes estão impotentes diante dos "monstros" que ajudaram a criar, que não se espere do professor o poder divino de redenção do indivíduo.

O discurso vazio e mentiroso da escola como instituição todo-poderosa de reversão dos quadros sociais - e como ainda tem muita gente, inocente ou mal-intencionada, repetindo esse jargão - já deu o que tinha que dar. O estado tem que dar condições materiais, de segurança e morais para o trabalho educacional; a família tem que ser chamada à participação na escola e responsabilizada direta e, se preciso, severamente pelas atitudes malogradas de seus filhos; a escola precisa ser um espaço aberto à comunidade e gerida em parceria com ela no sentido de sua melhor manutenção e para se tornar efetivamente um lugar de mudança social.

Do jeito que está, como um lugar em que as depredações e pichações são vistas (e estudadas!!!) como "manifestações culturais válidas"; um lugar em que o aluno só tem a obrigação de não faltar, pois reprovar não vai; um depósito em que muitas famílias se livram temporariamente de seus maiores pesadelos; um lugar gerido por profissionais de mãos atadas e inseguros para garantir o ambiente mínimo para seu trabalho ser frutífero, não dá...

Mas enquanto o discurso oficial for o mesmo, de que tudo está bem - precisando melhorar, mas bem! -, e de que a competência pedagógica e administrativa de quem está ligado à escola é suficiente para promover educação pública, gratuita e de qualidade, então não há mesmo o que fazer.

Aliás, há: unificar o concurso para o magistério com o concurso para seleção de agentes carcerários. Afinal, ambas as funções, em muitas escolas, apresentam mais semelhanças do que diferenças.