segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Sobre semeadores ultrapassados...

"Exiit, qui seminat, seminare semen" (E saiu o semeador a semear). Por muitos anos, e digo que até mesmo agora, a parábola do semeador (Mateus, 13) foi e é uma das que mais me encantam pela imensa possibilidade de aplicações.

Uma dessas aplicações, que se listou sempre entre minhas favoritas, se relacionava ao trabalho do professor. Afinal, é ou não é belo nos vermos como quem sai a espalhar a semente para que se desenvolva conforme as terras a acolherem?

Mas a forma passada dos verbos não é à toa: "listou; relacionava". Num desses insights da vida, dei-me conta de que a ideia contida nessa belíssima parábola não evoluiu, e hoje tem cheiro de dogma. Explico: não estou pregando a reescrita "revista e atualizada" dos textos clássicos, não! Estou, sim, apanhando-me numa contradição da minha profissão - esta, sim, que não evoluiu o suficiente para se desapegar da interpretação básica do texto.

Pretendo explorar melhor os argumentos futuramente, mas queria me adiantar aqui quanto ao cerne da reflexão: professores, queremos ser semeadores? Pois eu prefiro pensar que sou mais útil como Engenheiro Agrícola. Explico: este, ao contrário do semeador, lança a semente e fica esperando, observando clinicamente o que dá certo ou não para, caso a planta não vingue adequadamente, tentar de novo com novas técnicas, com mais tecnologia, ou mesmo compreender se aquela terra (ainda que seja areia, ainda que sejam pedras) tem talentos para outras sementes que esqueço (ou abandono) no fundo do meu alforje.

Não transformamos a aridez de parte da Bahia em maior produtora de soja do país? Não fazemos nascer tulipas mesmo nas calorentas condições adversas de outros cantos do Brasil? Nossa Embrapa não está abrindo escritórios de apoio e fomento tecnológico para fazer brotar mais comida nos necessitados solos africanos?

Compreendem minha inquietação? Como posso ser professor se me acostumar com a imagem cristalizada de quem, possuindo sementes de todo tipo, apenas as lança à terra sem interromper seu caminho, sem criar raízes naquela terra para poder compreendê-la melhor e fazê-la produzir para sua e minha felicidade? Passar, apenas, pela vida dos meus alunos despejando cargas (ainda que valiosas) de conhecimento (mantimentos da alma) não me satisfaz. Quero achar um meio de ser Engenheiro Agrícola para eles; quero abrir Embrapas intelectuais em seus territórios, para lhes descobrir talentos. Se você também pensa como eu, então acho que é hora de dedicarmos mais tempo a essa ideia. O meu semeador acabou de ficar obsoleto...

domingo, 2 de janeiro de 2011

"Quem ensina aprende duas vezes."



"Qui discet docet." A frase é de Sêneca, filósofo dos primeiros anos da era cristã, e está traduzida como título deste post. A ideia foi retomada várias vezes, de várias formas, durante todos os tempos, até encontrar uma variação bastante popular pela voz de Guimarães Rosa: "Mestre não é quem ensina, mas quem de repente aprende."
Pois então foram mais dois semestres com uma mais que querida turma de Comunicação Social no UniCuritiba. E, como gosto de tentar me igualar a meus mestres favoritos, não perdi qualquer chance de aprender com todos eles, e aqui vai minha devolutiva: o que eu aprendi de mais marcante com cada uma daquelas figuras mais que especiais.
  • Aline: com ela, aprendi que a postura sempre diferente da média traz resultados certos e duradouros, mas que é preciso muita determinação para assumi-la como postura pessoal com coerência.
  • Bianca: que a fórmula constituída por interesse + busca constante + não-desistência + reconhecimento expresso vão sempre trazer ótimas consequências e fazer todos a sua volta mais felizes por poderem conviver com ela.
  • Bonnye: que não desistir diante dos reveses é o combustível para a superação de si mesmo, a mais difícil das tarefas.
  • Bruna: que o entrosamento facilitado pela postura aberta nos faz cada vez mais admirados por mais pessoas sem termos que "vender" nenhuma de nossas convicções, que fazem de nós quem somos em essência.
  • Bruno: que a busca por resultados de excelência podem nos custar alguns momentos de angústia, mas que, ao mesmo tempo, nos faz mais abertos aos conselhos dos mais experientes - deixa rolar que você sabe o que faz. Ninguém nasce pronto.
  • Christianne: que, apesar de penoso, o caminho do autoconhecimento deve passar pelo capítulo da aceitação de que, por vezes, precisamos mudar muito do que somos para chegarmos àquilo que queremos ser; e que é possível se ter a coragem suficiente para fazer isso.
  • Claudia: que somos muito mais capazes e competentes do que nossos primeiros resultados possam querer - enganosamente! - nos fazer crer que somos, e que essa força e competência maiores sempre se mostram quando precisamos delas.
  • Fábio: que conjugar o desejo de vir a ser com as complexidades do que somos no dia a dia do trabalho intenso pode ofuscar - mas nunca abater, no seu caso - as verdadeiras possibilidades de mostrar o brilho próprio que temos.
  • Guilherme: que o primeiro passo para nos tornarmos o que desejamos nos tornar é descobrir aquilo que ainda nos falta e jamais cansar no caminho de consegui-lo. Fazer, refazer e fazer de novo: a vida se recria, reinventa sempre para melhor.
  • Juliana: que gosto e dedicação superam em muito quaisquer outras "vantagens inatas" que creiamos ter para virmos a ser qualquer coisa de importante para nós mesmos e para o mundo. Nada supera a verdadeira dedicação àquilo que se quer.
  • Leda: que competência e amplidão de visão não têm idade; têm, isso sim, muito tempo de autopreparo e autoconhecimento, além de vontade de entender que tudo está interligado, que as separações são artificiais. Difícil, mas presente em você.
  • Maria Angelina: que ser adolescente, amiga, estudante, comunicadora e mãe não se excluem; complicam-se, por vezes, mas não se eliminam uma à outra, deixando espaço para que floresça um ser humano mais completo e complexo.
  • Mariana: que o diálogo entre muitos conhecimentos e muitas artes só enriquece o potencial que temos para exercer cada um(a) "isoladamente", se é que isso é possível. Basta se estar aberto ao desafio.
  • Matheus: que transitar naturalmente entre muitos grupos com interesses diferentes, objetivos diferentes e formas de pensar diferentes é possível e enriquecedor, e sempre nos torna pessoas melhores.
  • Melany: que nem sempre um ombro amigo e acolhedor aos que mais precisam de nós necessita se mostrar dessa forma, como um pássaro não precisa ter escrito nas penas que sabe cantar. Colegas atestam isso sobre você.
  • Michael: que a busca incessante pela autossuperação tem um preço nem sempre fácil de enfrentar, mas que sempre vale a pena ser assumida. Saímos da guerra sempre com mais vitórias do que derrotas.
  • Otaviano: que os diferentes determinantes de uma vida complexa de aluno, trabalhador, colega e pai não impedem que consigamos realizar cada um desses papéis suficientemente bem. O que não podemos fazer é desistir de nenhum deles.
  • Raul: que há lições que só conseguimos aprender quando o caminho deixa de ser suave diante de nós. São lições necessárias e amargas, mas que só nos vencem quando deixamos que o façam. Força!
  • Renata: que força, determinação, talento e doçura conseguem, sim, encontrar um mix adequado sem que qualquer outra faceta de nós sofra ofuscamento. São, na verdade, a receita de quem vai dar certo no que quer que decida fazer de sua vida.
  • Sâmara: que o ato de "testar a água" após o mergulho mais fundo é a atitude mais arriscada e mais necessária ao sucesso. Não nos tornamos vencedores pisando sempre o raso, e essa vontade de vencer sempre faz desabrochar imensos talentos.
  • Thiago: que descobrir, dia após dia, mais e mais possibilidades e interesses pode, por vezes, nos confundir em relação ao que queremos mesmo desenvolver; mas fica a pergunta: por que não experimentar de tudo, não é? Muitos gostos nos fazem gourmets da existência.
  • Viviane: que a seriedade necessária a qualquer formação jamais se opõe à alegria possível de curtir a vida em plenitude. O importante é saber dar o momento certo a cada coisa: tudo tem sua hora e lugar, este é o princípio de saber viver.

Obrigado por todas essas e tantas outras lições, gente. Jamais quero perder a oportunidade de dizer que sou amigo de tanta gente importante. Que 2011 possa ser muito mais do que vocês sempre desejaram.

Abraços, sempre,
Prof. Marcus Vinicius (Marcão)

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Nada ainda?

Então... Depois de tanto tempo se falando, pesquisando, publicando, discutindo sobre inovações e Educação, parece que não conseguimos ir adiante do simples uso das tecnologias para aprofundar o mesmo "jeitão de sempre", não é?

O Power Point é o novo quadro de giz, e só. Quase nenhuma sala de aula com projetores e conexão à Internet libera acesso total para que o professor e os alunos abram quaisquer tipos de sites para explorar as diversas possibilidades de acesso e tratamento da informação - salvo raríssimas exceções que tenho descoberto recentemente. Os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) viram repositórios de documentos, e só. Sites como Youtube e serviços como Facebook também não vão muito além, na compreensão escolar média, de entretenimento.

Por outro lado, também temos grupos que acreditam num poder tão oculto e metafísico das tecnologias que criam inclusive terminologias para um porvir que nem se aproxima do horizonte das possibilidades brasileiras (e, para este fim, nem mesmo da maioria dos países desenvolvidos): metaverso, ensino construtivo total (isso mesmo, sem nem mesmo currículo mínimo, com os assuntos se encadeando ao sabor do desejo), home schooling para qualquer nível educacional...

Em tosca comparação, o primeiro dos lados ignora a invenção do filme e ainda se encanta pela fotografia colorida (a mesma foto, retocada manualmente como nas antiquíssimas revistas). O outro, se for exposto a uma recriação da "Invasão dos Marcianos" bem feitinha, terá infartos em suas poltronas antes de descobrir a montagem.

Em Educação nada é tão rápido, mas não precisa ser tão devagar, também. O mais importante, superando muito o fator velocidade da mudança, é o fator direção: o segredo está no uso racional das potencialidades tecnológicas, respeitando o papel social que cada uma já representa - pois este papel reflete a ideologia social sobre elas e, sabemos, a forma de relacionamento que estabelecem com um conhecimento muito mais acessível, ainda que diluído. O segredo, gente, é MÉTODO!

quinta-feira, 30 de abril de 2009

O professor e o carcereiro



Era uma vez (aliás, ainda é!) um professor de Educação Física com 16 anos de experiência na rede privada e uma legião de fãs entre ex-alunos e ex-atletas, recém-concursado para a Secretaria Estadual de Educação do Paraná.
Este professor, que tem um coração maior do que seus quase 1,90m, escolheu uma escola próxima de sua casa, num bairro razoavelmente central, para iniciar uma caminhada pela Educação pública do estado e, dentre outras coisas, para também caminhar diariamente ao trabalho (exercício bom para corpo e mente).
Foi muito bem recebido pela direção e demais profissionais da escola, e seu diário dos primeiros dois meses e meio de aulas deveria conter muitas coisas, exceto isso:
  1. ver uma mesa de professor ser atirada pela janela do segundo piso na direção da quadra, que por pouco não atingiu as crianças de quarta série com as quais trabalhava. O autor da barbárie foi identificado; para variar, um daqueles adolescentes de 14 ou 15 anos que frequentam a quinta série da tarde, entre crianças de 10 e 11 (minoria que está acompanhando a série). O que a escola pôde fazer? Advertir e mais nada.
  2. ajudar a procurar bombas de fabricação caseira postas pela manhã nos banheiros da escola - duas explodiram, causando estragos e por pouco não ferindo ninguém. Encontraram o autor do feito, que com ele tinha ainda mais oito para "plantar" onde quisesse. O que a escola pôde fazer? Chamar os pais, advertir e mais nada.
  3. Surpreender em pleno horário de aulas dois adolescentes consumindo drogas no banheiro masculino - outros dois, diferentes daquele primeiro, mas também cursando série inadequada à sua idade. Aproveitando que não foi visto por eles, comunicou imediatamente a coordenação, que fez o "flagrante". O que a escola optou por fazer? Advertir e mais nada; o argumento era de que seria preciso chamar a patrulha escolar, que faria o B.O. na delegacia do adolescente e os encaminharia para casa!!! E, claro, algo assim descontentaria os traficantes que abastecem a escola, pondo todos em risco...
  4. Ter uma bola de futebol atirada do terceiro piso da escola contra sua cabeça enquanto lecionava na quadra. Quem o fez, não teve sequer o cuidado de se esconder depois de atirá-la, ficando na janela rindo de sua "mira" infalível. Trazida para a direção, a doce criatura dizia: "você não sabe com quem tá mexendo, professor. Eu te pego lá fora, te arrebento, você vai morrer!" Diante da ameaça, o professor reage dizendo que vai sair da escola e ir diretamente ao distrito policial registrá-la em B.O. A resposta do aluno? "Quer que eu anote aqui meu nome e endereço pra facilitar? Você não sabe quem eu sou..." Depois a coordenadora disse ao professor, em particular, quem ele era: o adolescente responsável pelo tráfico na escola no período da tarde, com "n" passagens pela delegacia do adolescente. Uma figura que agride fisicamente sua mãe toda semana, deixando-a com hematomas, e cuja transferência para o turno da noite não poderia ser feita sem a permissão daquela mãe que não contrariava o filho em nada... e o filho não quer abandonar seu horário de "negócios". Adivinha em que a coisa toda deu? Advertência e... mais nada.
  5. Descobrir que a vaga que ele pôde escolher foi em substituição a um outro professor licenciado há dois anos para tratamento de problemas cardíacos e nervosos adquiridos em anos de trabalho naquela escola e em outras escolas problemáticas da rede... e que este mesmo professor já substituíra outro, também cardíaco.
  6. Ver a professora também recém-concursada para lecionar Filosofia chegar à sala dos professores na sexta-feira da primeira semana de aulas (!) informando que acabara de pedir exoneração do cargo, porque suportar o que teve que suportar naquela semana, com turmas do turno diurno (historicamente menos problemáticas ainda do que as do noturno!) para ganhar R$600,00 por mês não era nem razoável. Nem o dobro disso seria razoável.

Pois é... todos nós sabemos as principais consequências daquela aberração chamada Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - veja como a sigla já diz muito!) para o trabalho na Educação. E, dentro da Educação, especialmente no âmbito daquelas escolas públicas que não conseguem - e nem podem, e nem querem! - ter mecanismos ao menos razoáveis de manutenção da civilidade mínima em suas atividades.

Os alunos fazem o que querem, quando querem, e somente aqueles cujos pais ainda carregam consigo um mínimo de autoridade e dignidade próprias conseguem ter lições de verdadeira cidadania além de conteúdos escolares.

A escola não é a família! À escola não pode caber qualquer papel fundamental da família, como preparar os rebentos para a convivência social mínima. A paz social só é possível pela sinergia de governo, escola e família, cada um com seu papel. Se o governo não faz o seu (aliás, faz ECA!) e as famílias dos delinquentes estão impotentes diante dos "monstros" que ajudaram a criar, que não se espere do professor o poder divino de redenção do indivíduo.

O discurso vazio e mentiroso da escola como instituição todo-poderosa de reversão dos quadros sociais - e como ainda tem muita gente, inocente ou mal-intencionada, repetindo esse jargão - já deu o que tinha que dar. O estado tem que dar condições materiais, de segurança e morais para o trabalho educacional; a família tem que ser chamada à participação na escola e responsabilizada direta e, se preciso, severamente pelas atitudes malogradas de seus filhos; a escola precisa ser um espaço aberto à comunidade e gerida em parceria com ela no sentido de sua melhor manutenção e para se tornar efetivamente um lugar de mudança social.

Do jeito que está, como um lugar em que as depredações e pichações são vistas (e estudadas!!!) como "manifestações culturais válidas"; um lugar em que o aluno só tem a obrigação de não faltar, pois reprovar não vai; um depósito em que muitas famílias se livram temporariamente de seus maiores pesadelos; um lugar gerido por profissionais de mãos atadas e inseguros para garantir o ambiente mínimo para seu trabalho ser frutífero, não dá...

Mas enquanto o discurso oficial for o mesmo, de que tudo está bem - precisando melhorar, mas bem! -, e de que a competência pedagógica e administrativa de quem está ligado à escola é suficiente para promover educação pública, gratuita e de qualidade, então não há mesmo o que fazer.

Aliás, há: unificar o concurso para o magistério com o concurso para seleção de agentes carcerários. Afinal, ambas as funções, em muitas escolas, apresentam mais semelhanças do que diferenças.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Tronco comum, sem mistério...

Não compreendo tanta resistência de algumas IES em implementar troncos comuns em suas diversas faculdades. Afinal, respeitando a metáfora da natureza, leio o tronco como aquele discurso partilhado, cheio de valores que identificam um projeto pedagógico único, uma visão de homem, sociedade e realidade única que ajuda a definir uma IES em sua personalidade; nos ramos, folhas e frutos, bem lá em cima, é que se diferenciam as especialidades, como na imagem da Araucária Augustifolia (pinheiro do Paraná) aí ao lado. Ainda assim, em sendo todos diferentes entre si, ramos, folhas e frutos guardam uma especificidade, um ar único que é da espécie, pois não deixam dúvidas de terem uma mesma origem - um mesmo tronco!

Vem-me à mente a conversa corriqueira, por exemplo, da "morte" das licenciaturas; as mesmas IES que mais apregoam essa realidade triste são as que insistem em tratar seus "n" cursos de licenciatura "moribundos" como se fossem absolutamente diferentes uns dos outros. Há um professor e uma ementa diferentes para Psicologia da Educação, História da Educação, Filosofia da Educação, Biologia da Educação, Sociologia da Educação... ... ... para cada turma de licenciatura. Em cada uma, trabalha-se como se quase nada houvesse em comum entre o que a ela se ensina e o que às outras se deve ensinar. Meu amigo, você consegue imaginar o pinheiro com galhos desde o chão, parecendo uma planta amorfa, indiferenciada? É assim que vejo essas IES, cheias de salas de licenciaturas quase vazias.

Esquece-se que licenciaturas formam professores (e não matemáticos, literatos, biólogos, historiadores, filósofos, sociólogos...) e, em o esquecendo, perde-se a chance mais valiosa de construir a identidade do discurso partilhado da profissão para os egressos de uma determinada IES. Perde-se a melhor oportunidade que o tronco comum pode ofertar.

Sim, há especificidades nas diversas disciplinas, como, dentro da Psicologia da Educação, a psicomotricidade para a Educação Física e a aquisição da linguagem para as Letras, mas são especificidades que merecem trabalho separado, dedicado, em disciplinas específicas - são ramos, folhas e frutos, não tronco. Há um discurso comum, de tópicos psicológicos comuns a todos os alunos cujas faixas etárias correspondem àquelas com quem os licenciados vão trabalhar - um discurso comum necessário e que perde espaço para especificidades (ramos, folhas e frutos) querendo nascer logo após a raiz. Nisso, IES perdem muito mais do que a já imensamente importante possibilidade de desenvolverem uma personalidade própria reconhecida e diferenciada das outras, e elas sabem bem. Perdem, além da chance de diferenciarem-se pedagógica e curricularmente, valiosa estratégia de sobrevivência.

Sabem, porém raramente põem em prática o que é preciso e possível.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

No mediocrity, please!


O Conselho Estadual de Educação de SP agora permite, amparado por lei estadual, que até 20% da carga horária do Ensino Médio seja cumprida com metodologia de EAD. (Clique aqui para ver)

Por um lado, comemoremos a chegada - tardia - do reconhecimento de que aprender a aprender autonomamente deve começar mesmo no Ensino Médio, até para que os alunos não venham bater nas Universidades com aquela mentalidade de que precisam ser levados pela mão para que aprendam verdadeiramente.

Por outro lado, a mesma matéria apresenta a relutância da Secretaria Estadual de Educação em implementar a nova modalidade nesta gestão (ou seja, "necas" pelos próximos dois anos). E, eu diria, talvez nem daqui a cinco, dez anos. A razão? Favor ler o post sobre "Abóboras, 'aboborinhas' e 'aboboronas' à vontade", pois ele foi construído justamente a partir da desinformação ululante sobre a modalidade que grassa parte significativa da "força intelectual" produzida nos sistemas públicos de educação.

No final da matéria, é emblemática a posição de Cesar Callegari, presidente da Câmara Básica do Conselho Nacional de Educação: "o ensino a distância não é necessariamente ruim, mas a norma abre a chance de escolas buscarem só corte de custos, em detrimento da qualidade."

Não é necessariamente ruim, presidente? O que o senhor está dizendo com isso? Que desconhece todos os bons projetos de EAD realizados no país e no mundo todo? Que toma a EAD a partir dos exemplos tortos das instituições "fabricantes de dinheiro" que se aproveitaram de uma abertura indiscriminada feita justamente pelo MEC? Caso seja isso mesmo o que pensa, então permita que eu utilize o mesmo tipo de raciocínio para propor o seguinte:
  1. O ensino público não é necessariamente ruim...

  2. O ensino público de SP não é necessariamente ruim...

  3. A educação brasileira não é necessariamente ruim...

Eles só tomam por modelo de análise a mediocridade. Aliás, como nós gostamos de ter por parâmetro tudo que pode dar errado, tudo que funciona pela metade, tudo que é feito por quem não tem condições de fazê-lo comprometidamente. Talvez seja por isso mesmo que continuemos no patamar em que estamos: o país cujo futuro depende quase exclusivamente da Bolsa Isso, Bolsa Aquilo, Bolsa Aquilo Outro, Cota Isso, Cota Aquilo... Um medo eterno de deixar quem sabe fazer as coisas.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Abóboras, "aboboronas" e "aboborinhas" à vontade.


Tudo bem... A gente já devia estar acostumado, mas isso não passa nunca...

Nas últimas semanas, participei de dois encontros nacionais de Educação, como painelista e coordenador de trabalhos, e vivi duas experiências diversamente marcantes.

Na primeira, aconteceu aquilo tudo com que a gente está acostumado... A mesa-redonda final do encontro tinha por título "As Novas Tecnologias da Informação e Comunicação e a Formação de Professores". Claro que eu fui assistir! Animado, pois esses títulos são um tanto raros em encontros de Educação "pura" (aqueles que não são da ABED, por exemplo). E então... a primeira convidada foi uma professora do RJ com bom nome, projeção (indevida?) nos meios acadêmicos, e ela deu o tom da mesa.

Sequer tocou no assunto proposto - a não ser tangencialmente - e demonstrou que o título da discussão deveria ter sido "A esquerda ressentida brasileira contra qualquer intenção de EAD do mundo". Não vou expor todos os argumentos utilizados por ela, mas acho interessante dizer que ela começou por uma discussão semântica totalmente incorreta do sentido de "a distância" em EAD e derivou, claro, para o argumento final de que educar a distância não só é impossível e indesejável, mas que é, acima de tudo, uma prova de que há uma conspiração para enfraquecer ainda mais a educação pública. Pois é, meu amigo... perdido na relação dos argumentos? Eu também, especialmente porque a IES dela tem forte tradição em EAD, e recentemente a USP e Unicamp (públicas, portanto, "enfraquecidas", de acordo com a teoria da professora carioca) anunciaram nesta semana 6.000 (seis mil, isso mesmo!) vagas para Pedagogia a distância para 2009.

"Vendido" pela alteração de tom da primeira a falar, o convidado seguinte precisou alterar os rumos de sua apresentação (e disse isso claramente no início da fala) e também dedicou seu tempo a apontar falhas nos projetos de EAD brasileiros.

Nunca ouvi - ou, caso tenha ouvido, não lembro - tanta abobrinha, tanta asneira dita em tempo tão escasso e precioso quanto me foi oportunizado por aquela debatedora, que forçou quem veio depois a subir em seu ônibus (174?).

Ninguém precisa querer fazer EAD; ninguém precisa gostar de EAD; ninguém precisa concordar com os projetos de EAD que há por aí. Mas, ao mesmo tempo, a ninguém deve ser dado o direito de se expressar tão virulentamente sobre algo de que não gosta sem dominá-lo em profundidade. Não num espaço acadêmico, que não é, por definição, um espaço de "achismos" ou de concepções fracamente sustentadas.

No final, cansada e irritada por tudo que estava ouvindo, pede a palavra uma professora que é convidada por Michael Moore para presidir mesas de discussão sobre EAD em congressos internacionais (quem sabe o mínimo de EAD reconhece o que isso significa), que rebate e desafia educadamente, por sua experiência, cada um dos argumentos usados pelos debatedores. Como resposta, obteve reações de deboche da debatedora carioca, e educada interlocução do outro debatedor, pessoa culta, reconhecida, mas que estava "vendido" pelo tom impresso à mesa; outra professora reconhecida (não por saber nada de EAD!) de uma IES pública de Goiás uniu-se à vociferação sem-noção e demonstrou nem ter entendido o que foi exposto pela ilustre ouvinte - aliás, nem a conhecia.

A cena me lembrou uma passagem dantesca do extinto programa "Fala, garoto", apresentado por Serginho Groismann no SBT: João Gordo, do Ratos de Porão, tentando discutir música com o maestro Júlio Medaglia, insultando-o sem saber quem ele era e se referindo às expressões musicais clássicas como "essa b**ta". Sem exagero: a coisa foi do mesmo nível, só faltando palavrões.

Como o que é muito bom gera menos necessidade de comentário, a experiência contrária veio no final da primeira semana de outubro, durante o VIII EDUCERE, na PUCPR. A palestra de abertura, com a professora Juana Maria Sancho Gil (Universidad de Barcelona, Harvard University etc.), e palestristas como José Manuel Moran (USP), Marco Silva e Patrícia Torres demonstraram como falar da EAD em suas virtudes e limitações reconhecendo o que há de ponta no cenário mundial. Para quem entende do assunto e gosta dele, ficou um ar de desafios a vencer; para quem entende do assunto e não gosta dele, ficou a certeza de que a modalidade tem, certamente, representantes e projetos valiosos; para quem não entende do assunto, ficou vontade de saber mais.

Lição para o grupo que organizou o primeiro dos dois encontros descritos: não se formam mesas-redondas com quem vai dizer o que queremos ouvir, mas sim com quem diga o que pode ser dito diante das evidências, das pesquisas, das publicações. O resto são apenas abobrinhas que, infelizmente, alguns menos avisados acabam por "engolir" acriticamente e outros, mais experts nos assunto, não conseguem evitar que os nauseie.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Ó, "psora", ó!!!

Ó, "PSORA", Ó!

Na coletiva histórica em Pequim, depois de causar ao tesouro mandarim um prejuízo de alguns quilos de ouro, de quem Michael Phelps foi lembrar? Claro!!!! De uma professora!!! Mas não fiquemos tão românticos assim porque este blog não é para fracos.

Nas palavras do próprio Phelps: "Por um momento, lembrei de uma professora minha de inglês, do ensino médio. Ela dizia: 'você nunca vai ser bem-sucedido em nada'. Esse tipo de coisa volta à cabeça, é engraçado." (Duvida? Veja aqui)

Não só volta à cabeça... Na verdade, nunca sai de lá - e o que não sai não pode voltar. Esta passagem é emblemática justamente porque ilustra algo que me intriga e preocupa há anos: professores que se consideram capazes de julgar o verdadeiro potencial de seus alunos. Geralmente são os mesmos que julgam saber a verdade sobre tudo. Professores que não distinguem entre aquilo que se pode ver e o que realmente é.

Ainda que possamos identificar algumas falhas em nossos alunos, quem não as têm? E, o que é pior: quem nos dá o direito de julgá-los a partir de somente aquilo que conseguimos ver (uma ínfima parte do que o ser humano naquele aluno é)? E esse julgamento apressado - e sempre enganoso - pode encontrar no "réu" duas reações: a de um Phelps, que dedica toda a sua vida para provar que pode ser bem-sucedido apesar da torcida contra de sua professora ou a de alguém tão sensível e fragilizado que acaba se convencendo, até por nos respeitar, de que realmente é um caso sem solução e perde a chance de se tornar melhor.

Isso tudo me pôs a pensar sobre uma coisa que deveria preocupar todos os professores: quanta gente poderia querer, hoje, se voltar para nós com um troféu, um diploma, medalhas, qualquer coisa assim nas mãos e dizer: Aqui, ó, "psor", ó!

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Uma questão de perfil

Ontem fui procurado por uma colega cuja IES está promovendo a oferta de disciplinas naquele ritmo de 20% semipresenciais. O material foi produzido com qualidade, a infra-estrutura estava de acordo, mas a instituição está enfrentando dois "males recorrentes": a) protestos dos alunos, que se acham prejudicados pelas atividades não-presenciais, e b) uma "guerra fria" não-declarada de alguns professores indicados para acompanhar essas disciplinas. Perguntou-me a colega se havia solução para essas duas situações.

Olha, num blog temos de ser muito sucintos, então vou tocar apenas naquilo que acho fundamental sobre cada uma das situações:
  • a) a inclusão de disciplinas semipresenciais responde a uma tendência pedagógica muito moderna (no sentido de contemporânea), que valoriza o desenvolvimento da autonomia dos alunos. Os professores não ficam administrando softwares, mas monitorando uma construção de conhecimentos feita colaborativamente, mais horizontal. Essas disciplinas devem ser administradas com um projeto pedagógico sólido, bem acompanhadas em com finalidades que possam ser observadas por todos o tempo todo nos diversos estágios de construção. Ainda que não conheça SUA instituição, conheço a recorrência desses problemas, e sou capaz de apostar que a instituição deve estar falhando em termos de projeto e acompanhamento, especialmente no que tange à necessidade de fazer os alunos se sentirem senhores de seu aprendizado e valorizados por isso.
  • b) Não é qualquer professor que tem a competência necessária à EAD. Não é porque alguém tem 30 anos de experiência pilotando jatos comerciais a 800Km/h que será a melhor opção para pilotar carros de F1 a "meros" 330Km/h. São cenários diferentes, necessidades diferentes, competências diferentes. Em suma: É OUTRO PERFIL! Selecionar e formar professores para EAD é a fase mais importante de qualquer projeto e, ainda assim, geralmente a mais negligenciada ou realizada como mera formalidade. O resultado é sempre desastroso, especialmente se a EAD for empurrada "goela abaixo" de quem não se sente bem com ela.

Em suma, na suma da suma, é isso. O projeto e a infra-estrutura são importantes, mas achar as pessoas certas para as posições certas é ainda mais importante.

Abraços!!!