quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Tronco comum, sem mistério...

Não compreendo tanta resistência de algumas IES em implementar troncos comuns em suas diversas faculdades. Afinal, respeitando a metáfora da natureza, leio o tronco como aquele discurso partilhado, cheio de valores que identificam um projeto pedagógico único, uma visão de homem, sociedade e realidade única que ajuda a definir uma IES em sua personalidade; nos ramos, folhas e frutos, bem lá em cima, é que se diferenciam as especialidades, como na imagem da Araucária Augustifolia (pinheiro do Paraná) aí ao lado. Ainda assim, em sendo todos diferentes entre si, ramos, folhas e frutos guardam uma especificidade, um ar único que é da espécie, pois não deixam dúvidas de terem uma mesma origem - um mesmo tronco!

Vem-me à mente a conversa corriqueira, por exemplo, da "morte" das licenciaturas; as mesmas IES que mais apregoam essa realidade triste são as que insistem em tratar seus "n" cursos de licenciatura "moribundos" como se fossem absolutamente diferentes uns dos outros. Há um professor e uma ementa diferentes para Psicologia da Educação, História da Educação, Filosofia da Educação, Biologia da Educação, Sociologia da Educação... ... ... para cada turma de licenciatura. Em cada uma, trabalha-se como se quase nada houvesse em comum entre o que a ela se ensina e o que às outras se deve ensinar. Meu amigo, você consegue imaginar o pinheiro com galhos desde o chão, parecendo uma planta amorfa, indiferenciada? É assim que vejo essas IES, cheias de salas de licenciaturas quase vazias.

Esquece-se que licenciaturas formam professores (e não matemáticos, literatos, biólogos, historiadores, filósofos, sociólogos...) e, em o esquecendo, perde-se a chance mais valiosa de construir a identidade do discurso partilhado da profissão para os egressos de uma determinada IES. Perde-se a melhor oportunidade que o tronco comum pode ofertar.

Sim, há especificidades nas diversas disciplinas, como, dentro da Psicologia da Educação, a psicomotricidade para a Educação Física e a aquisição da linguagem para as Letras, mas são especificidades que merecem trabalho separado, dedicado, em disciplinas específicas - são ramos, folhas e frutos, não tronco. Há um discurso comum, de tópicos psicológicos comuns a todos os alunos cujas faixas etárias correspondem àquelas com quem os licenciados vão trabalhar - um discurso comum necessário e que perde espaço para especificidades (ramos, folhas e frutos) querendo nascer logo após a raiz. Nisso, IES perdem muito mais do que a já imensamente importante possibilidade de desenvolverem uma personalidade própria reconhecida e diferenciada das outras, e elas sabem bem. Perdem, além da chance de diferenciarem-se pedagógica e curricularmente, valiosa estratégia de sobrevivência.

Sabem, porém raramente põem em prática o que é preciso e possível.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

No mediocrity, please!


O Conselho Estadual de Educação de SP agora permite, amparado por lei estadual, que até 20% da carga horária do Ensino Médio seja cumprida com metodologia de EAD. (Clique aqui para ver)

Por um lado, comemoremos a chegada - tardia - do reconhecimento de que aprender a aprender autonomamente deve começar mesmo no Ensino Médio, até para que os alunos não venham bater nas Universidades com aquela mentalidade de que precisam ser levados pela mão para que aprendam verdadeiramente.

Por outro lado, a mesma matéria apresenta a relutância da Secretaria Estadual de Educação em implementar a nova modalidade nesta gestão (ou seja, "necas" pelos próximos dois anos). E, eu diria, talvez nem daqui a cinco, dez anos. A razão? Favor ler o post sobre "Abóboras, 'aboborinhas' e 'aboboronas' à vontade", pois ele foi construído justamente a partir da desinformação ululante sobre a modalidade que grassa parte significativa da "força intelectual" produzida nos sistemas públicos de educação.

No final da matéria, é emblemática a posição de Cesar Callegari, presidente da Câmara Básica do Conselho Nacional de Educação: "o ensino a distância não é necessariamente ruim, mas a norma abre a chance de escolas buscarem só corte de custos, em detrimento da qualidade."

Não é necessariamente ruim, presidente? O que o senhor está dizendo com isso? Que desconhece todos os bons projetos de EAD realizados no país e no mundo todo? Que toma a EAD a partir dos exemplos tortos das instituições "fabricantes de dinheiro" que se aproveitaram de uma abertura indiscriminada feita justamente pelo MEC? Caso seja isso mesmo o que pensa, então permita que eu utilize o mesmo tipo de raciocínio para propor o seguinte:
  1. O ensino público não é necessariamente ruim...

  2. O ensino público de SP não é necessariamente ruim...

  3. A educação brasileira não é necessariamente ruim...

Eles só tomam por modelo de análise a mediocridade. Aliás, como nós gostamos de ter por parâmetro tudo que pode dar errado, tudo que funciona pela metade, tudo que é feito por quem não tem condições de fazê-lo comprometidamente. Talvez seja por isso mesmo que continuemos no patamar em que estamos: o país cujo futuro depende quase exclusivamente da Bolsa Isso, Bolsa Aquilo, Bolsa Aquilo Outro, Cota Isso, Cota Aquilo... Um medo eterno de deixar quem sabe fazer as coisas.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Abóboras, "aboboronas" e "aboborinhas" à vontade.


Tudo bem... A gente já devia estar acostumado, mas isso não passa nunca...

Nas últimas semanas, participei de dois encontros nacionais de Educação, como painelista e coordenador de trabalhos, e vivi duas experiências diversamente marcantes.

Na primeira, aconteceu aquilo tudo com que a gente está acostumado... A mesa-redonda final do encontro tinha por título "As Novas Tecnologias da Informação e Comunicação e a Formação de Professores". Claro que eu fui assistir! Animado, pois esses títulos são um tanto raros em encontros de Educação "pura" (aqueles que não são da ABED, por exemplo). E então... a primeira convidada foi uma professora do RJ com bom nome, projeção (indevida?) nos meios acadêmicos, e ela deu o tom da mesa.

Sequer tocou no assunto proposto - a não ser tangencialmente - e demonstrou que o título da discussão deveria ter sido "A esquerda ressentida brasileira contra qualquer intenção de EAD do mundo". Não vou expor todos os argumentos utilizados por ela, mas acho interessante dizer que ela começou por uma discussão semântica totalmente incorreta do sentido de "a distância" em EAD e derivou, claro, para o argumento final de que educar a distância não só é impossível e indesejável, mas que é, acima de tudo, uma prova de que há uma conspiração para enfraquecer ainda mais a educação pública. Pois é, meu amigo... perdido na relação dos argumentos? Eu também, especialmente porque a IES dela tem forte tradição em EAD, e recentemente a USP e Unicamp (públicas, portanto, "enfraquecidas", de acordo com a teoria da professora carioca) anunciaram nesta semana 6.000 (seis mil, isso mesmo!) vagas para Pedagogia a distância para 2009.

"Vendido" pela alteração de tom da primeira a falar, o convidado seguinte precisou alterar os rumos de sua apresentação (e disse isso claramente no início da fala) e também dedicou seu tempo a apontar falhas nos projetos de EAD brasileiros.

Nunca ouvi - ou, caso tenha ouvido, não lembro - tanta abobrinha, tanta asneira dita em tempo tão escasso e precioso quanto me foi oportunizado por aquela debatedora, que forçou quem veio depois a subir em seu ônibus (174?).

Ninguém precisa querer fazer EAD; ninguém precisa gostar de EAD; ninguém precisa concordar com os projetos de EAD que há por aí. Mas, ao mesmo tempo, a ninguém deve ser dado o direito de se expressar tão virulentamente sobre algo de que não gosta sem dominá-lo em profundidade. Não num espaço acadêmico, que não é, por definição, um espaço de "achismos" ou de concepções fracamente sustentadas.

No final, cansada e irritada por tudo que estava ouvindo, pede a palavra uma professora que é convidada por Michael Moore para presidir mesas de discussão sobre EAD em congressos internacionais (quem sabe o mínimo de EAD reconhece o que isso significa), que rebate e desafia educadamente, por sua experiência, cada um dos argumentos usados pelos debatedores. Como resposta, obteve reações de deboche da debatedora carioca, e educada interlocução do outro debatedor, pessoa culta, reconhecida, mas que estava "vendido" pelo tom impresso à mesa; outra professora reconhecida (não por saber nada de EAD!) de uma IES pública de Goiás uniu-se à vociferação sem-noção e demonstrou nem ter entendido o que foi exposto pela ilustre ouvinte - aliás, nem a conhecia.

A cena me lembrou uma passagem dantesca do extinto programa "Fala, garoto", apresentado por Serginho Groismann no SBT: João Gordo, do Ratos de Porão, tentando discutir música com o maestro Júlio Medaglia, insultando-o sem saber quem ele era e se referindo às expressões musicais clássicas como "essa b**ta". Sem exagero: a coisa foi do mesmo nível, só faltando palavrões.

Como o que é muito bom gera menos necessidade de comentário, a experiência contrária veio no final da primeira semana de outubro, durante o VIII EDUCERE, na PUCPR. A palestra de abertura, com a professora Juana Maria Sancho Gil (Universidad de Barcelona, Harvard University etc.), e palestristas como José Manuel Moran (USP), Marco Silva e Patrícia Torres demonstraram como falar da EAD em suas virtudes e limitações reconhecendo o que há de ponta no cenário mundial. Para quem entende do assunto e gosta dele, ficou um ar de desafios a vencer; para quem entende do assunto e não gosta dele, ficou a certeza de que a modalidade tem, certamente, representantes e projetos valiosos; para quem não entende do assunto, ficou vontade de saber mais.

Lição para o grupo que organizou o primeiro dos dois encontros descritos: não se formam mesas-redondas com quem vai dizer o que queremos ouvir, mas sim com quem diga o que pode ser dito diante das evidências, das pesquisas, das publicações. O resto são apenas abobrinhas que, infelizmente, alguns menos avisados acabam por "engolir" acriticamente e outros, mais experts nos assunto, não conseguem evitar que os nauseie.