segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Sobre semeadores ultrapassados...

"Exiit, qui seminat, seminare semen" (E saiu o semeador a semear). Por muitos anos, e digo que até mesmo agora, a parábola do semeador (Mateus, 13) foi e é uma das que mais me encantam pela imensa possibilidade de aplicações.

Uma dessas aplicações, que se listou sempre entre minhas favoritas, se relacionava ao trabalho do professor. Afinal, é ou não é belo nos vermos como quem sai a espalhar a semente para que se desenvolva conforme as terras a acolherem?

Mas a forma passada dos verbos não é à toa: "listou; relacionava". Num desses insights da vida, dei-me conta de que a ideia contida nessa belíssima parábola não evoluiu, e hoje tem cheiro de dogma. Explico: não estou pregando a reescrita "revista e atualizada" dos textos clássicos, não! Estou, sim, apanhando-me numa contradição da minha profissão - esta, sim, que não evoluiu o suficiente para se desapegar da interpretação básica do texto.

Pretendo explorar melhor os argumentos futuramente, mas queria me adiantar aqui quanto ao cerne da reflexão: professores, queremos ser semeadores? Pois eu prefiro pensar que sou mais útil como Engenheiro Agrícola. Explico: este, ao contrário do semeador, lança a semente e fica esperando, observando clinicamente o que dá certo ou não para, caso a planta não vingue adequadamente, tentar de novo com novas técnicas, com mais tecnologia, ou mesmo compreender se aquela terra (ainda que seja areia, ainda que sejam pedras) tem talentos para outras sementes que esqueço (ou abandono) no fundo do meu alforje.

Não transformamos a aridez de parte da Bahia em maior produtora de soja do país? Não fazemos nascer tulipas mesmo nas calorentas condições adversas de outros cantos do Brasil? Nossa Embrapa não está abrindo escritórios de apoio e fomento tecnológico para fazer brotar mais comida nos necessitados solos africanos?

Compreendem minha inquietação? Como posso ser professor se me acostumar com a imagem cristalizada de quem, possuindo sementes de todo tipo, apenas as lança à terra sem interromper seu caminho, sem criar raízes naquela terra para poder compreendê-la melhor e fazê-la produzir para sua e minha felicidade? Passar, apenas, pela vida dos meus alunos despejando cargas (ainda que valiosas) de conhecimento (mantimentos da alma) não me satisfaz. Quero achar um meio de ser Engenheiro Agrícola para eles; quero abrir Embrapas intelectuais em seus territórios, para lhes descobrir talentos. Se você também pensa como eu, então acho que é hora de dedicarmos mais tempo a essa ideia. O meu semeador acabou de ficar obsoleto...

4 comentários:

Anônimo disse...

Muito interessante a sua linha de pensamento, Marcão. Tb luto para ser um Engenheiro Agrícola. Infelizmente, muitas das terras por onde passei, preferem a aridez e o sonambulismo utópico dos horizontes áridos. Para me livrar de frustrações, centro-me naquelas sementes que procuram as terras propícias para o seu crescimento e, mesmo quando não as encontram, fazem de qualquer solo a sua terra prometida.
Sou contrário a certas ideias pedagógicas que centram a responsabilidade de todo o processo de aprendizado na figura do professor. Um dos aspectos reside na desumana luta por conquistar a atenção dos alunos em um mundo repleto de estímulos midiáticos e tecnológicos. Eu partilho da ideia da co participação. Até porque, o aluno estimula o professor e este, por sua vez, estimula o aluno. Eis um digno processo de retroalimentação.
Tb quero abrir startups de ideias e gerir o conhecimentos. Não acredito no papel de 'líder', mas no papel de colaborador. Quero co laborar e quero co participar. Mas também quero ser estimulado, pois também sou humano (falo do estímulos ideal).
Para finalizar, compartilho contigo a simpatia para com a parábola do semeador, pois além de mto arguta, é prenhe de interpretações.

Forte [ ].

Helen Regina disse...

Professor, eu o admiro muito e sua forma de pensar me inspira.

Unknown disse...

Vida longa aos bravos, que ao seu lado professor Marcus Vinícius, saírem a enfrentar os gigantes de pedra e as tempestades de areia que nos andam a nublar o entendimento. Mesmo por que alguns de nós cobrem com pedras as sementes que em boa terra caem, por estarmos confortáveis no ócio. E mesmo que o solo não colabore, por conhecer a sua competência, acredito que alcançará o sucesso nessa e em outras aventuras.
Abraço.

Marcus Vinicius disse...

Caro "Anônimo" Humberto Costa, facilmente revelado pelo estilo: concordo com tudo o que diz. Esse tipo de abordagem só funciona por co-participação.

Helen, que bom ler isso vindo de gente tão interessada quanto você. Obrigado pela força! =D

Pedro Moura, obrigado mesmo. Sua complementação da parábola já me deu mais ideias para o texto final, que algum dia quero produzir. Abração.